À Flor da Pele

quinta-feira, setembro 13, 2007

Uma sopa

Hora do almoço, dirijo-me ao restaurante e sou abordada por ela. Deve ter a idade da minha avó, olhos azul celeste e um ar triste, triste... a custo, pede-me um favor, os olhos azul celeste enterrados abaixo do chão, tristes. Diga, respondo-lhe, pergunto-lhe. A menina dá-me uma sopa?
...
É então que grito por dentro, que puta de vida é esta, que uma senhora com mais de 80 anos tem de pedir uma sopa, triste, envergonhada, morta de sofrimento?
Sentou-se, comeu a sopa, pedi para lhe servirem uma refeição completa, mas ela dizia só se a menina não se importar, que eu com uma sopa já fico bem. E eu com as entranhas a revirarem-se, que puta de vida é esta?
No fim da refeição, já há coragem para me oferecer o seu olhar azul celeste, lindo. Agradece-me, sei, vê-se, é do fundo do coração. E conta-me, já teve muito dinheiro, carro, casas, uma loja. A inocência infantil, própria da idade e da solidão em que vive, levou-a a confiar tudo a alguém que se aproveitou do facto. Este mês, até a reforma lhe levaram...Malditos, penso, filhos da grande puta.
Há dois dias que não comia, menina. Muito obrigada. E eu, lágrimas contidas e entranhas desfeitas, sorria e dizia, de nada, vai tudo correr bem, vai ver.

Aquela senhora já teve tudo, carro, casas, uma loja. Hoje, ela só queria uma sopa.

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